Não é novidade para ninguém que a vida é cheia de surpresas, tristezas, alegrias, amores, desilusão, arrependimentos, recomeços…Tampouco é desconhecido o fato de que ao viver estamos, de alguma forma, preenchendo o tempo até que a morte nos visite e faça com que o ciclo de vida e morte se perpetue. Ninguém questiona estas verdades.

Por outro lado, insistimos em não pensar em como tudo vai terminar. Nos encouraçamos, dia a dia, em nossa rotina, problemas, sonhos, até esquecer que haverá o dia em que deixaremos de ocupar o espaço que hoje nos cabe. Por agora, não nos importa quando ou como, posto que nessa matéria não existem “ses”. As vezes, nosso único desejo é que seja o menos doloroso para nós mesmos e para aqueles que amamos e ficarão a cargo de perpetuar nossa existência em suas memórias.

Assim, vamos vivendo e acumulando anos, histórias, lembranças…vamos trocando alguns sonhos por desilusões, surpresas por algumas alegrias, fotografando alguns momentos especiais, armazenando impressões, opiniões, sentidos e algumas feridas. Vamos lutando e, em alguns momentos, nos deixamos levar, naquelas horas solitárias, nos longos dias de reflexão, nos bons livros que nos acompanham e certamente, nas memórias.

Quando se inicia essa jornada com data incerta de término e com caminhos desconhecidos, temos a certeza de que por mais absurdos que possam ser os acontecimentos que nos tocam, jamais nos afastarão do nosso fim maior, da felicidade utópica, vendida, publicitada, negociada e, aparentemente, ao alcance de todos e de que somos merecedores. Mas, ao refletir com crueza e exatidão, podemos nos encontrar num desses caminhos desconhecidos que havíamos jurado jamais percorrer. Seja porque sua relação com nossa realidade era inimaginável, seja porque havíamos dito a nós mesmos que este caminho não nos interessava ou porque havíamos prometido jamais percorrê-lo. Neste caso, temos que admitir que o caminho que não queríamos percorrer não era de todo desconhecido. E, portanto, sentíamos que éramos fortes o suficiente para fazer os desvios necessários, as mudanças exigidas, o esforço constante e alcançar algo totalmente distinto. Percorrer o que nos dava prazer. Ter a ilusão de que a escolha foi única e exclusivamente nossa. Sentir que imperávamos sobre as vontades alheias, o destino, as heranças de  família.

Mas chega esse momento doloroso da verdade. Olhamos ao redor e nos questionamos de onde veio o caos. De onde saíram essas dores lacinantes. Por que nos custa tanto avançar, ou parar. Pensamos que deve ser falta de algo, óbvio, falta o trabalho ideal, falta o amor ideal, a casa ideal, o carro, a viagem, a conta bancária, o amigo, a beleza ideal. Então nos voltamos a essa busca incessante do que nos dizem ser tangível. Todo o ideal está ao nosso alcance e se não somos felizes, a culpa é só nossa. Porém, no meio do caos há um momento de clareza. Uma luz tênue começa a se desenhar bem no fundo do nosso ser, uma pequenina mostra do que não queremos enxergar.

Olhamos para trás, vasculhamos as gavetas da memória, deixamos que os sonhos nos tragam de volta aquela cena, um toque, sentimentos que ficaram sufocados no tempo, nos caminhos que pensávamos estar desbravando como pioneiros, descobridores, os primeiros e únicos. E entäo, ao nosso redor vão se formando cenários familiares. São pequenos gestos, algumas imagens, podem ser sons, podem ser sabores. Pessoas que vêm e que vão. Pode ser que tenhamos acumulado mais experiências, percorrido mais quilômetros, falado e ouvido mais, ou mesmo vivido menos, na  verdade, nada disso importa.

Porque o caos instalado não é ficção ou sonho. O que há é uma recusa em reconhecer que este caos tem sua origem e é nosso filho, irmão de nossas heranças familiares, amigo de nossas decisões, especialmente aquelas que dizíamos que jamais repetiríamos por se tratarem dos erros de outra pessoa.

Não importa onde eu vá, com quem esteja, o trabalho que tenha, o amor que me acompanhe, o dinheiro que acumule, as viagens que faça, as línguas que fale, os livros que leia, as músicas que escute ou os filmes que veja. A vida vai me surpreender e jogar comigo como se nenhuma das minhas decisões, mudanças, ou esforços tenha realmente me levado por um caminho único. A vida tem sua forma de provar que é mais forte do que eu. Totalmente indomável, ao ponto de ser enlouquecedora.

Estou num caminho já percorrido por outros. O caminho que jurei jamais percorrer. Dou-lhe meu toque pessoal, é claro. Enfatizo um lado, desmereço outro, apanho algumas flores no caminho, mas tenho que reconhecer que de todas as voltas e desvios, mudanças e paradas, parece que repito e repito o que já foi vivido por outro. Acumulo alguns logros, deixo algumas lembranças divertidas, não machuquei mais pessoas do que o normal e nem perpetuei em mais uma nova geração as dores que vivi. Ainda assim, não deixei de dar os mesmos passos, cometer erros tão similares e, acima de tudo, sentir de forma tão contundente o que jamais imaginei ser merecedora de sentir.

Por isso hoje sei, entendo, reconheço e me redimo perante isso que não sei nomear, essa força que alguns chamam de destino, outros de mandato familiar e aceito que dei voltas, percorri mais lugares e vi mais cenários do que quem me precedeu, mas na verdade estou no mesmo caminho, aonde quer que eu vá.